“Agora todo mundo é coach?!”

Lead: No meio de tanta gente usando em vão o nome da profissão e da falta de conhecimento sobre a demanda e necessidades do mercado, aos mais desavisados, pode mesmo parecer que todo mundo é coach e que temos coaches de sobra. Mas não para quem escolher ler esse artigo até o final 😉

Já perdi as contas de quantas vezes, nos últimos dois anos, ouvi o comentário “agora-todo-mundo-é-coach” ao contar sobre minha transição de carreira de advogada para coach. Apesar de ser capaz de compreender o porquê dessa impressão de banalização, confesso que esse tipo de comentário incomoda porque desconsidera minha trajetória individual: minha experiência, minha qualificação, tudo o que precisei desapegar para recomeçar em outra profissão e iguala minha competência com outros profissionais, nem sempre preparados.

Infelizmente a impressão que dá é que para ser coach basta ter vontade. Mas não. É preciso formação, experiência de mercado, postura, habilidades comportamentais e interpessoais, muita dedicação, estudo e busca pelo autoaperfeiçoamento.

A barreira à entrada para alguém se dizer coach é de fato baixa. No Brasil, a atividade não é regulamentada e existem apenas cursos certificados por organizações como a ICF – International Coaching Federation, ministrados por poucas instituições. Mas há escolas não credenciadas oferecendo cursos nos mais variados formatos e que sequer possuem avaliação dos candidatos como requisito à concessão de certificados.

Em termos de tempo e dinheiro, o investimento exigido para que alguém se torne coach é bastante inferior ao que é exigido para a obtenção de um diploma universitário. No cenário brasileiro, os melhores cursos para que uma pessoa comece a dar os primeiros passos como coach certificado pela ICF custam algo entre R$ 10 e R$ 15 mil reais e têm curta duração. Mas há quem se denomine coach sem nem mesmo investir R$ 1 em educação e treinamento.

Basta uma pessoa sentir-se especialista em uma área do conhecimento e suficientemente apta a treinar alguém que queira se desenvolver e pronto: ela poderá se autodenominar coach. É por isso que temos nutricionistas, personal trainers e professores dizendo que estão praticando coaching quando na verdade estão apenas exercendo suas profissões – para não falar em adestradores de cães que oferecem o serviço de pet coaching.

A carreira de coaching surgiu no esporte quando se descobriu que o mapeamento de modelos mentais e o desenvolvimento de novos padrões de comportamento conduziam a melhora de performance dos atletas. Não demorou muito para que executivos e donos de grandes fortunas que tivessem acesso a essas técnicas levassem-nas para o mundo corporativo. Essa tendência é relativamente nova, especialmente no Brasil, e quando ela surgiu, diversos serviços já haviam sido desenvolvidos como possíveis equivalentes do coaching. Isso explica porque o senso comum tende a confundir com o coaching profissionais que aparentemente desempenham as mesmas funções ou possuem a mesma importância para o cliente.

Até hoje a superposição entre o coaching e outras atividades profissionais é comum, e muitas vezes natural e compreensível. Refiro-me aqui aos serviços prestados por consultores, mentores, psicólogos, terapeutas, conselheiros etc. São serviços diferentes mas que atendem a mesma necessidade: indivíduos com problemas precisando de ajuda externa para lidar com eles (sobre a distinção que existe entre o coaching e essas práticas, recomendo a leitura desse artigo escrito por mim).

Tanto os oportunistas, que se aproveitam da tendência do mercado para ganhar dinheiro fácil, quanto os despreparados, que não se preocuparam em investir tempo e dinheiro em formação de qualidade, e mesmo os profissionais de outras áreas sem treinamento específico podem acabar oferecendo como coaching um serviço que não trará o que o cliente busca: um processo pragmático, focado em um objetivo especifico e com começo, meio e fim. Isso é frustrante para quem contrata e traz danos à imagem da profissão. Alguém que passa por uma experiência como essa ou que ouve um relato semelhante pode, de fato, pensar que qualquer um pode se dizer coach – e, pior, que o coaching não serve para nada.

A impressão de que existem muitos coaches no Brasil não corresponde à realidade. Se considerarmos apenas as pessoas com formação certificada pela ICF no país, temos apenas um coach para cada 250 mil habitantes. Uma cidade como Campinas, teria menos de 5 coaches para atender sua população de mais de 1 milhão de habitantes.

Para encontrar essas agulhas no palheiro, eu recomendo três cuidados: (i) procure conhecer as credenciais do profissional que pretende contratar, onde ele fez sua formação e se o curso é certificado por uma instituição acreditada, como a ICF, por exemplo; (ii) confie no bom e velho boca a boca e procure referências de pessoas que já fruíram dos serviços prestados por este profissional e (iii) marque uma conversa de empatia e entreviste seu candidato à coach, procure por coerência, assertividade e vivência em situações semelhantes àquela que você procura resolver.

A essa altura você já deve estar minimamente convencido de que nem todo mundo é coach. E eu lamento esse dado. Do ponto de vista do mercado é bastante positivo o fato de as barreiras à entrada serem baixas. Novos entrantes oxigenam o setor e trazem novas capacidades: o desejo de ganhar maior participação no mercado e investir em formação é imprescindível para o aumento da respeitabilidade dos profissionais e para o desenvolvimento do setor.

Do ponto de vista dos que ingressam, existem duas expectativas em relação às barreiras: (i) a existência de barreiras à entrada de novos profissionais e (ii) a ameaça de reação dos competidores já estabelecidos. No caso de coaching ambas as expectativas tendem a ser suavizadas pois as barreiras à entrada são baixas e existem poucos profissionais verdadeiramente consolidados no mercado.

Recém ingressa nesse mercado descobri, relacionando-me com coaches mais experientes, que quanto mais novos – e bons – “concorrentes” se estabelecem no mercado de coaching, mais respeito, visibilidade e rentabilidade ganha o setor. Eles me ajudaram a entender que não era vantagem as pessoas desconhecerem o coaching ou não possuírem referências das melhores práticas e de bons profissionais. Contar com o apoio, supervisão, mentoria e inspiração deste tipo de profissional foi determinante para que eu entendesse que quanto maior o influxo de bons coaches maior seria a procura e a valorização dos serviços praticados por mim e pela minha empresa.

Conhecer profissionais com esta mentalidade, dentro e fora do coaching e, logo o início da minha jornada apenas reforçou meu compromisso de assumir uma postura colaborativa. Trabalho em parceria com muitos desses profissionais e acredito que agindo dessa maneira contribuímos para construir um mercado mais ético onde cada um oferece apenas aquilo que faz de melhor, sem precisar forçar a barra fingindo ser o que não se é por medo de perder receita.

Algumas vezes “dispensei” clientes justamente por perceber que eles não precisavam de coaching, mas de consultoria, terapia e até mesmo de apoio clínico e, sabem o que aconteceu? Passado algum tempo e conhecendo melhor a mim e ao meu trabalho, eles voltaram.

Aos poucos fui constatando que apesar de parecer que a oferta de profissionais era superior à demanda, a realidade se mostrava diferente. Eu ainda era nova como coach, mas nem por isso meus clientes primeiros desconfiaram da minha capacidade. Ainda que como advogada, eu já atuava no mercado há alguns anos e nesse tempo construí uma reputação. Este fato somado à experiência de transição e reinvenção era o que eles, de fato, buscavam. E esse era o tipo de cliente que eu queria atender.

Explicar todo conteúdo desse artigo a cada cafezinho, ligação e video conferência para possíveis interessados aumentou não só o nível de confiança na entrega, mas sobretudo conscientização sobre a importância da profissão e dos benefícios atrelados ao investimento em desenvolvimento pessoal.

Temos menos coaches do que precisamos e acredito que investir em desenvolvimento pessoal é essencial para experimentar a mudança que tanto se almeja. Queremos que as instituições, a política, o sistema de trabalho mudem, mas essa mudança só será possível se os seres humanos que dão vida a essas estruturas mudarem também.

A qualidade das estruturas depende da qualidade das pessoas que lhes sustentam com suas ações, posturas e decisões. E essa qualidade não é garantida apenas investindo-se em informação, mas desenvolvendo o ser humano que faz uso dessa informação. Cuidando da forma como nos tratamos uns aos outros enquanto pensamos, ensinamos, aprendemos, produzimos. Atentando para os modelos mentais e padrões de comportamento destrutivos. Investindo tempo e energia para criar e desenvolver novos hábitos.

Vai dar trabalho e vai levar tempo. É muita mudança e muita gente precisando mudar. Haja coaching!

No meio de tanta gente usando em vão o nome da profissão e dessa falta de conhecimento sobre a demanda e necessidades do mercado, aos mais desavisados, pode mesmo parecer que todo mundo é coach e que temos coaches de sobra.

Mas não para você que teve a idéia de ler esse artigo até o final.

Texto originalmente publicado no perfil da Lucila no LinkedIn, para acessar clique aqui.